A cartilagem hialina recobre as superfícies articulares e tem um papel importante na redução da fricção e da carga mecânica das articulações sinoviais, como o joelho. Este tecido não é suprido de vasos, nervos ou circulação linfática, razões pela qual a cartilagem articular tem uma péssima capacidade de cicatrização. As lesões condrais (de cartilagem), quando atingem o osso subcondral (lesão osteocondral), não cicatrizam e podem progredir para artrose com o passar do tempo. Em pacientes jovens, o tratamento dos defeitos condrais do joelho ainda é um desafio, principalmente as lesões maiores de 4cm.
Entre as alternativas terapêuticas, pode-se citar uma simples lavagem articular, com ou sem debridamento, onde se consegue remover as substâncias e corpos livres que degradam a cartilagem e causam dor. Perfurações, microfraturas e abrasões regeneram a superfície articular com tecido semelhante à cartilagem hialina (fibrocartilagem), a partir de células mesenquimais medulares. Mosaicoplastia (transplante osteocondral autólogo) e transplante autólogo de condrócitos, do inglês ACI (autologous cartilage implantation), são outras alternativas de tratamento.
As técnicas que interferem na placa óssea subcondral (perfurações, microfraturas) podem até restabelecer a superfície articular, mas não restauram a unidade funcional da cartilagem pois formam cartilagem cicatricial, inferior à hialina especialmente na função de absorção de impacto. Por não violar o osso subcondral e por reparar o defeito com tecido semelhante à cartilagem hialina, a técnica de ACI, tem vantagens biológicas e mecânicas.
Deste modo, a utilização dessa técnica tem mais de 20 anos no exterior, porém nunca decolou no Brasil, principalmente pelo seu alto custo e dificuldade de manipular células de cartilagem (condrócitos) em laboratório.
ACI deve ser considerado como a segunda linha de tratamento dos defeitos condrais <2cm² e ser utilizado somente quando outras técnicas mais simples falharam. Por outro lado, se os defeitos são maiores que 2cm², pode-se utilizar o ACI como opção inicial do tratamento. A localização do defeito deve ser na superfície articular femoral ou patelar e deve ser acessível por meio de uma artrotomia aberta. A indicação definitiva pelo uso do ACI deve ser somente considerada, durante a avaliação artroscópica. Este procedimento é o que melhor determina a localização, profundidade e tamanho do defeito, além de avaliar a qualidade da cartilagem circunscrita e o estado da superfície condral oposta à lesão. Para se obter um melhor resultado com a técnica é fundamental não haver sobrecarga mecânica sobre a cartilagem; desta forma, os pacientes devem ter suas deformidades (varo e valgo) e qualquer instabilidade ligamentar (anteroposterior, colaterais e patelar), corrigidas antes do procedimento de ACI, sob o risco de falha do tratamento.
Considera-se como contraindicações ao ACI, os pacientes com osteoartrite grave e a presença de lesões bipolares (kissing lesions) osso-sobre-osso (lesão em espelho através da articulação, ou seja, fêmur e tíbia). Outras contraindicações são artrite reumatoide ou outra doença autoimune, do tecido conjuntivo em atividade e, paciente com neoplasias malignas.
Os candidatos a ACI devem passar, obrigatoriamente, por uma avaliação artroscópica, etapa fundamental para o planejamento. Somente a artroscopia possibilita uma visualização direta e palpação da cartilagem articular, desta forma, se diagnostica alterações de sua consistência e de possíveis delaminações parciais. Apenas o exame artroscópico do joelho permite determinar, exatamente, o tamanho e profundidade do defeito condral, e a qualidade da cartilagem que o rodeia. Além disso, na artroscopia é realizada a colheita de fragmento de cartilagem do paciente, que será enviado ao laboratório para o cultivo celular. Após em torno de 30 dias, o laboratório devolve as células cultivadas (multiplicadas) em um frasco ou diretamente em membrana de colágeno, momento no qual nova cirurgia deve ser feita para o implante no local da lesão. Dessa forma o tratamento se faz em 2 tempos cirúrgicos, fato que é a principal desvantagem dessa ténica.
Concluímos que o transplante autólogo de condrócitos é uma opção no tratamento das lesões condrais extensas ou após a falha das técnicas mais simples em lesões condrais menores. Ressaltamos que não consideramos a técnica de ACI como a opção de escolha no manejo inicial de lesões condrais completas, pelo seu alto custo, maior complexidade, necessidade de duas internações, e atual indisponibilidade da técnica no Brasil, exceto em protocolos de pesquisa.
Referência:
AUTOLOGOUS CHONDROCYTE TRANSPLANTATION-SERIES OF 3 CASES. Rev Bras Ortop. 2015 Nov 17;45(4):449-55.