A instabilidade femoropatelar é uma condição patológica frequente e está associada a fatores predisponentes na maioria dos pacientes. Entre estes, a displasia da tróclea femoral e a altura da patela são considerados os fatores predisponentes mais importantes. Ainda há incertezas no entendimento da etiopatogenia desses fatores, especialmente na displasia da tróclea. Há dúvidas se a displasia femoral é causa ou consequência da instabilidade, sendo uma anomalia congênita caracterizada por uma tróclea mais rasa (o que favoreceria a instabilidade), ou se anormalidades musculares levariam a patela a um curso anormal, reduzindo a pressão femoropatelar e dando origem a estímulos incorretos durante o desenvolvimento anatômico da tróclea, tornando-a mais plana, com consequente progressão da instabilidade.
Para entender melhor esses fatores, eles precisam ser estudados e analisados em pacientes com instabilidade femoropatelar precoce, ou seja, em crianças em fase de crescimento, o que possibilita observar o desenvolvimento da tróclea femoral.
Entre indivíduos com síndrome de Down, há pacientes muito jovens com instabilidade femoropatelar severa. Essa peculiaridade torna possível analisar o desenvolvimento da tróclea femoral concomitante à redução da estimulação resultante da presença da patela na articulação femoropatelar, em situações de luxação precoce da patela, e compará-lo com o de pacientes com síndrome de Down nos quais a instabilidade femoropatelar não está presente. Além do desenvolvimento da tróclea, a altura da patela pode ser estudada. Este fator também influencia a estimulação do desenvolvimento de maior ou menor profundidade da tróclea.
O objetivo deste estudo foi analisar a profundidade da tróclea e a altura da patela (fatores predisponentes) em pacientes com síndrome de Down com instabilidade femoropatelar e comparados com a ocorrência desses fatores em pacientes com síndrome de Down sem instabilidade femoropatelar.
A síndrome de Down é uma das desordens mais comuns de origem genética em humanos. Afeta entre 1:1000 e 1:700 nascidos vivos. É resultado da trissomia do cromossomo 21 e também pode ocorrer devido à translocação robertsoniana. Distúrbios ortopédicos são frequentemente observados na coluna (instabilidade atlanto-axial e escoliose), pés, quadris (instabilidade e deslizamento da epífise femoral proximal) e joelhos (joelho valgo e instabilidade femoropatelar). Essas alterações são decorrentes de distúrbios musculares (hipotonia) e da frouxidão ligamentar, comuns nessa síndrome. Os problemas do joelho são vistos em 30% a 40% desses pacientes.
Acreditamos que as alterações musculares relacionadas à síndrome de Down podem ser responsáveis pela retração do quadríceps, o que causaria patela alta, mesmo em indivíduos que não apresentam instabilidade femoropatelar. A altura da patela não é um índicador confiável para instabilidade patelar em pacientes com síndrome de Down, enquanto o ângulo de congruência patelar é relevante entre esses pacientes, assim como o ângulo do sulco, que foi encontrado alterado apenas em joelhos instáveis. Acreditamos que a ausência da patela na tróclea femoral inibiu a formação do sulco troclear. Isso é sugerido a partir da observação de pacientes sem instabilidade que apresentavam síndrome de Down e exibiam profundidades normais da tróclea. A presença da patela alinhada no sulco troclear pode ser determinante na sua profundidade e forma normal.
Em nosso entender, a displasia da tróclea não pode ser considerada congênita, pelo menos em pacientes com síndrome de Down. Por último, é preciso ter em mente que as alterações osteoarticulares observadas na síndrome de Down são geralmente múltiplas e que é necessário cuidado na transposição dessas observações em pacientes sem síndrome de Down.
Conclusão
Da amostra estudada, os achados sugerem que a displasia troclear não é congênita, mas se desenvolve como resultado da instabilidade patelar. As medidas radiográficas na profundidade da tróclea femoral mostraram que a tróclea encontrava-se em mais de 150º (rasa) apenas em casos de instabilidade. Medidas radiográficas básicas, como as medidas do ângulo do sulco troclear, correlacionaram-se com a instabilidade femoropatelar.
Referência:
Trochlear dysplasia and patellar instability in patients with Down syndrome. Rev Bras Ortop. 2015 Mar 30;50(2):159-63.